Moda, todo mundo sabe, tem DNA.
Tem estilo, identidade e assinatura.
Tem marcas que vendem muito mais que o estilo que a gente compra: vendem um pouco do nosso discurso, da nossa personalidade, da nossa identidade. Uma produção de moda (sim: aquilo que escolhemos quando abrimos o guarda-roupa e nos vestimos é a nossa "produção de moda") tem muito de informação e referência a nosso respeito. E também é algo que conta a nossa história.
Nossos amigos sabem o que a gente veste. E tem pessoas que, ao baterem o olho na gente, já deduzem alguma coisa a nossa respeito só pelo estilo que portamos em nossa bagagem visual.
A TRITON é uma das marcas mais conceituais e mais fortes dentor do cenário fashion nacional. Marca vibrante, antenada, levantou para o Brasil um dos maiores bambambans de nosso estilo patropi, o renomado Tuffy Duek, que depois também se consagrou com a grife coirmã Fórum.
Quero falar aqui da TRITON, em especial, que é a grife que fala ao meu coração. Eu sempre me identifiquei com o conceito de moda proposto por essa grife. Foi com o primeiro catálogo de moda que me apaixonei em minha vida - um catálogo da TRITON com a coleção Urban Tribe de 1994 - que iniciei uma vultosa coleção que hoje compõe praticamente uma biblioteca de catálogos de moda (nacionais e internacionais). As fotoso, a comunicação de moda expressa no texto e nas peças... eu amei aquilo tudo. Passei a vestir TRITON como se fosse a camisa de um time de futebol.
As lojas da TRITON eram uma festa, quando todas as outras pareciam muito chatas. A TRITON tinha dança, tinha pista, era clubber, tinha lindas gatinhas e caras maneiros vendendo roupas... transpirando calor humano e prazer de viver dentro da loja. Todo mundo bonito, cheiroso, produzido... musica alta tocando... uma loja sensorial! Amava ir à TRITON do Rio Sul fazer minhas compras de aniversário, Natal e Ano Novo: era quase um ritual encontrar aquela gente festiva e alegre numa loja onde tudo emanava alegria.
Presente de aniversário? A galera do trabalho já sabia: "vamos dar alguma coisa da TRITON
porque ele adora tudo de lá". Aí vinha a questão: "Mas como saber o que ele não tem, já que ele compra tudo sempre lá?". O que eu já ganhei de presente repetido e tive de voltar realmente para trocar...
Uma vez um amigo que trabalhava numa loja menos cotada ouviu de outros: "Ele pode até ser educado, mas jamais será seu amigo, porque ele só veste TRITON".
Tanto aprendi na Triton! Usei jeans com dobra de bainha muito alta, uma tendência que retornou no final dos anos 90, porque me ensinaram numa loja. Quem não era antenado me ofereceu serviço de costureira para eu não "ficar sem bainha". Até explicar que era uma tendência conceitual da TRITON, que relançou jeans com tom azul bem tinto e reeditou as bainhas dobradas para fora usadas por operários que originariamente popularizaram as calças jeans... depois disso, o estilo pegou e todos passaram a curtir.
Aprendi lá que as camisas de malha tinham uma tecnologia de ponta (a malha era chamada interlock) e o moleton deles tinha um caimento diferenciado (era o fleece).
E quando voltei à loja reclamando de uma camisa cheia de "buraquinhos" , "farrapos" e "picotes", dizendo que "uma loja tão cara não devia vender roupas com esse defeito", fiquei pasmo ao ser informado de que era "proposital" e "conceitual" porque " a nova tendência seria o vintage, o estilo desconstruído, a roupa puída e com cara de usada".
Aprendi todas as bossas com a TRITON!
Com o passar dos anos e com o vaivém do mercado, Tuffy Duek vendeu suas marcas para um grupo e, de lá pra cá, as duas mudaram muito.
A TRITON perdeu seu encanto. O formato encaixotado em madeira que passaram a adotar em suas lojas foi uma perda conceitual muito forçosa, muito ao gosto de quem fez e pouco ao gosto de quem usa. A TRITON envelheceu. A TRITON obscureceu-se. O que fez de si mesma a TRITON, afinal?
Ainda brilhando em passarelas, mas distante da comunicação no lugar mais importante - o ponto de venda - a TRITON parece outra. Perdeu-se a antiga alegria das lojas, agora encaixotadas no modelo da atual Fórum (que ficou muito chata), engessada numa aparência que nada tem a ver com suas coleções.
Ontem estive na última loja que me parece ser uma TRITON de verdade. É a loja do Barra Shopping. Aqui no Rio, é a única que ainda não foi afetada por essa nuvem de recaracterização que a asoslou nos últimos anos. Comprei várias peças, a coleção está linda! Tinha coisas realmente com a alma e a cara da TRITON, que eu jamais compraria se estuvesse em outra loja "encaixotada" como assim querem seus novos marqueteiros.
E aí eu pensei no quanto uma aparência de loja influencia e determina o comportamento do consumidor. Será que essa galera que está lá na TRITON hoje não gostaria de conhecer Paco Underhill, David Aaker, Don Slater e outros especialistas em sociologia do consumo, que explicam tão bem o quanto as marcas e a experiência sensorial dos consumidores nas lojas pode interagir?
Entrei e comprei muita, muita coisa na loja do Barra Shopping porque, ao chegar ali, vi a mesma arquitetura conceitual, o mesmo DNA de loja que me seduziu a vida inteira! Tinha música alta, alegria, araras na porta, vitrines devassadas, posters enormes no alto, prateleiras de ferro, escada giratória retorcida para o andar de cima... era a velha e boa TRITON, sempre joem e esfuziante, eletrônica, remixada, clubber até a sua última gota!
Se as coleções da TRITON estivessem ruins, seria lamentável. Agora, deixar de vender suas coleções ainda antenadas e de excelente qualidade material porque a loja não chama, não atrai, perdeu sua identidade visual e tornou-se uma como outra qualquer, aí é duro!
Pior: dei meu CPf na hora da compra para puxar meu histórico e ele não existe mais! O Hélio Ricardo de 15 anos atrás sumiu! O banco de dados da "Nova TRITON" simplesmente matou meu cadastro de cliente diferenciado, que tinha descontos, mensagens de aniversário, privilégio em coleções e promoções especiais... mais que regalias, eu era reconhecido como um cliente de 15 anos da loja que tanto amei a juventude toda!
Agora estou lá como se tivesse começado hoje.
Não faz mal!
Estou lá.
A TRITON perdeu minha história, mas eu nunca perdi a lembrança do que ela representou para mim.
Se a TRITON mantiver aquela loja linda, alegre e simpática da Priscila e da Mônica, lindinhas, que me atenderam, vou continuar me considerando "TRITON Maniac". E vou esperar ansiosamente que eles façam daquela loja o modelo para as outras, e não o contrário.
A TRITON Barra Sopping virou, para mim, uma espécie de "foco de resistência". Ela subsiste como a última reserva representativa do DNA TRITON. Mesmo não me reconhecendo como o mesmo Hélio que há 15 anos atrás entrava para comprar uma peça da coleção Urban Tribe e obter o primeiro catálogo que redundaria numa coleção enorme e numa reflexão mais profunda sobre coisas culturalmente tão distantes do universo masculino como moda e estilo de vestir.
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